Em visita técnica, acadêmicos de Psicologia conhecem o Museu da Loucura

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Antigo Hospício Colônia, localizado em Minas Gerais, vitimou 60 mil pessoas. (Foto: Divulgação)

Um genocídio sistemático que vitimou 60 mil pessoas: assim é conhecido o antigo Hospital Colônia de Barbacena, localizado em Minas Gerais, que hoje funciona o Museu da Loucura – Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena – Rede Fhemig. Com o intuito de aproximar os acadêmicos da realidade do “Holocausto Brasileiro”, o curso de Psicologia da UNIGRAN organizou uma visita técnica às dependências do maior hospício do Brasil.

No Museu, imagens, equipamentos que eram utilizados e reprodução dos sons gravados na época, retratam a tortura, as atrocidades, os maus-tratos, a dor e o pavor dos choques elétricos e da lobotomia, a sensação de estar morto mesmo estando vivo. “As condições de vida eram desumanas, os pacientes praticamente não recebiam tratamento, com a evolução dos tratamentos da Psiquiatria e da Psicologia hoje, felizmente, não se admite esses tipos de torturas”, revela a professora Elizete Bachi Comerlato, responsável por levar os estudantes a uma viagem inesquecível.

“Foi uma experiência fantástica. Conhecer a história como forma de distinguir os erros do passado e um alerta à intolerância social que produziu e ainda resulta em tragédias. A atividade se deu no estudo da disciplina de Psicopatologia em que nós trabalhamos a história da loucura através da leitura de uma publicação recente, atual, que retrata o maior genocídio de doentes mentais do Brasil, que chega a ser comparado ao holocausto, inclusive o nome do livro se chama ‘Holocausto Brasileiro’, de autoria da jornalista Daniela Arbex”, menciona Elizete.

Após a leitura e estudo da obra, os acadêmicos mergulharam na visita às dependências do antigo Hospício Colônia, onde está situado o Museu da Loucura, visitaram as unidades residenciais – casas de acolhimento – para conhecer e conversar com alguns dos sobreviventes e ainda, tiveram a oportunidade de visitar o cemitério onde as vítimas do Colônia foram enterradas sem nenhuma identificação.

Há ainda, aproximadamente 150 sobreviventes que vivem no local. Porém, a realidade atual é totalmente diferente, com atendimento humanizado. “Funciona um hospital psiquiátrico com ala dos pacientes que vivenciam a fase aguda em surto psicótico, além de unidades residenciais, casas de acolhimento, em que vivem pacientes idosos com doenças graves que não têm família”, conta a professora.

Vivência profissional

Um ponto importante da visita técnica, segundo Elizete Comerlato, é que quando trabalharem a teoria em sala de aula, poderão citar os exemplos práticos que os estudantes vivenciaram no local. “Quando falamos em transtorno mental, por exemplo, em que o aluno pôde sentar e ter o contato com um doente mental, em que teve condições de avaliar os sinais e sintomas, até mesmo a hipótese diagnóstica. Hoje trabalharemos a teoria com essa vivência prática”, ressalta.

A experiência, de acordo com o acadêmico do 4º semestre Marcio Jorge Manoel Pinto, foi incrível. “Na década de 1980, quando o hospital foi desativado com as características de manicômio, a Fhemig refez todo o trabalho para realmente fazer um acompanhamento e um atendimento dos pacientes. Tivemos contato com algumas pessoas que viveram e trabalharam no antigo Colônia, a equipe mencionou até mesmo o caso da última pessoa que faleceu com eletrochoque. Ver a dimensão do local, que foi construído com uma ideia de colônia de agricultores, em uma fazenda muito grande, foi fantástico”, lembra o aluno.

Para o futuro profissional da Psicologia, foi essencial vivenciar essa parte da história brasileira. “Aprender in loco foi importante até mesmo para a maturidade do grupo, para se ter um senso de responsabilidade maior para trabalhar com a Psicologia. Ficamos encantados com a proposta e mexeu com o grupo inteiro. A visita agregou e fortaleceu o conhecimento de toda a turma. Podemos ver uma hipótese diagnóstica, conseguimos perceber a diferença de um surto, uma crise, contrapomos com a teoria”, reconhece.

Sobre saúde mental

A atividade teve como foco levar os estudantes ao reconhecimento da importância da luta antimanicomial, um sistema que, durante anos, segregou e matou milhares de pessoas nascidas com algum tipo de transtorno mental. Durante mais de um século, prevaleceu à existência dos manicômios, que isolava da sociedade os chamados “loucos”.

“A questão do atendimento em saúde mental vivencia uma polêmica muito grande atualmente. São duas questões: primeiro a saúde mental, da mesma forma que a saúde geral da população brasileira, tem sofrido deficiências de atendimento, segundo, a saúde mental sofre da dificuldade da falta de políticas públicas mais específicas e investimento nesta área”, avalia a psicóloga Elizete Bachi Comerlato.

A grande polêmica, conforme explica a professora, tem se dado entre a luta antimanicomial e as necessidades que tem se apresentado referente a esses doentes. “Após muita luta e apoio à aprovação da Lei Paulo Delgado [Lei de Reforma Psiquiátrica], se propôs como contraponto o ‘hospital dia’, em que o paciente mais agudo passaria o dia, seria tratado, medicado e durante a noite voltaria para a família. Os Caps [Centro de Atendimento Psicossocial, onde os pacientes podem receber o atendimento multiprofissional”, cita.

Ocorre que também há pacientes extremamente debilitados, que não têm família. “É uma questão muito delicada, pois se eliminar o hospital psiquiátrico, uma parcela desses pacientes estarão desassistidos e, se o manter, corre o risco de repetir a história de isolamento e exclusão. Tem que se ter uma reflexão muito intensa e muito humanizada”, aponta Elizete Comerlato.

O acadêmico Márcio Pinto destaca a incrível evolução de todo o processo. “Aqueles profissionais que trabalham hoje, que nos acolheu muito bem, mostrou a realidade com os recursos que têm, a equipe e o trabalho que fazem, ficamos encantados, de ver o que acontece e a forma com que eles trabalham, vimos o lado humano, o carinho, os respeito e o zelo com os doentes. Aprendemos muito com os profissionais”, reconhece.

A parceria com a Fhemig foi fundamental, destaca o estudante. “Vale ressaltar que as visitas não são autorizadas, tivemos que fazer um projeto muito bem fundamentado. Fomos exceção. Não é um local de turismo, pois muda a rotina e exposição dos pacientes. A energia do local é diferente, foi uma a emoção e a nossa maior reflexão é de ter o debate do que é necessário para cuidar do outro, é um ganho na humanização de um grupo inteiro. Agradecemos a oportunidade desta visita”, comemora Marcio Jorge.

Legenda: Acadêmicos da UNIGRAN visitam antigo Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais

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