Os Ministérios Públicos (MP) Federal e Estadual de Mato Grosso do Sul conseguiram nova liminar na Justiça Federal que obriga o Poder Público a implementar medidas urgentes para frear a degradação da Bacia do Rio Taquari, um dos maiores desastres ambientais do estado. Desde 2013, o MP pleiteia na Justiça a preservação do rio, mas questões processuais barraram a efetiva implementação de ações de recuperação.
A demanda judicial foi inicialmente ajuizada em Coxim, porém o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) remeteu a ação à capital, Campo Grande, por entender que os danos e as providências pretendidas têm abrangência regional. Com a declaração de incompetência, duas liminares proferidas pelo juízo de Coxim foram invalidadas, até o novo posicionamento da Justiça Federal de Campo Grande, que ratificou todos atos processuais praticados anteriormente.
Com a nova decisão, a União, o Estado de Mato Grosso do Sul e de Mato Grosso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul (Imasul) devem promover, em até 90 dias, série de medidas que envolvem fiscalização, recuperação, prevenção, educação e combate a danos ambientais, sob pena de multa diária de 5 a 50 mil reais.
Em caso de atraso no cumprimento da determinação judicial, verbas publicitárias da União e do Estado de Mato Grosso do Sul podem ser bloqueadas pela Justiça e utilizadas para divulgar a omissão das instituições. Além disso, os gestores públicos pessoalmente terão de suportar multas de R$ 1 mil a 5 mil por dia de atraso ou por ato realizado irregularmente.
Omissão
A concessão da tutela antecipada considerou a responsabilidade dos órgãos públicos no estágio avançado de degradação do Taquari. Com base nos argumentos do MP, a Justiça em Campo Grande reconheceu a omissão do Poder Público no combate às causas e na contenção das consequências do assoreamento do rio, postura que vai de encontro ao dever constitucional de preservar e defender o meio ambiente.
Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), somente nos 26 primeiros anos da ocupação humana na Bacia do Taquari, intensificada na década de 70, o desmatamento aumentou cerca de 1.820%. Com a utilização das áreas como pastagens, o volume de enxurradas subiu 15% e houve um incremento no aporte médio de sedimentos de 76%.
Como resultado dos constantes danos ambientais, hoje há uma Bacia repleta de inundações permanentes (os chamados arrombados), desvio do leito do rio, perdas de áreas produtivas, alterações e perdas na biodiversidade, alteração no pulso de inundação e alteração dos canais de navegação. E tal situação afeta não apenas fazendeiros, pescadores e ribeirinhos da região, mas a humanidade, já que a maior planície alagável do mundo, o Pantanal – considerado Patrimônio Mundial Natural -, alimenta-se das águas do Taquari.
Ação
As providências, solicitadas pelo Ministério Público e determinadas pela Justiça, englobam o mapeamento das inundações permanentes e de todos os pontos de novos possíveis extravasamentos; exercício do poder de polícia ambiental com fiscalização de todos os empreendimentos na Bacia do Alto Taquari; apresentação de plano de atuação; e execução de ações concretas para recuperar a região.
Todas as ações propostas e executadas serão divulgadas continuamente na imprensa para que a sociedade tenha amplo conhecimento das medidas adotadas. Em 60 dias deverá ser publicado o cronograma de ações quanto às áreas alagadas; em 90 dias o cronograma quanto às áreas com maior intensidade erosiva. Após, deverão ser publicados mensalmente relatórios das medidas tomadas e obras realizadas.
Quanto ao pedido de suspensão de concessão de licenças para novos empreendimentos econômicos na Bacia e proibição de autorizações para intervenções no Rio Taquari (como a abertura e fechamento de arrombados), a Justiça Federal de Campo Grande não se pronunciou na liminar e o Ministério Público pediu, por meio de embargos de declaração, a apreciação de tais pontos, o que ainda deverá ocorrer.
Entenda a problemática do Taquari
O Rio Taquari, ao longo de seu leito, tem duas características distintas e inter-relacionadas: é rio de planalto e também de planície. No primeiro terço de seu curso, ele tem altitude elevada, o que resulta em maior inclinação e águas mais rápidas, dificultando o acúmulo de sedimentos.
A exploração descontrolada de atividades nas margens do Alto Taquari provoca a erosão do solo e faz com que os sedimentos, lá do planalto, cheguem à planície, proporcionando o assoreamento do rio e prejudicando a qualidade da água e a biodiversidade local.
O assoreamento cria barras ao longo do canal, o que reduz a capacidade de reter água. Nesse contexto, grandes enchentes provocam o rompimento das margens, formando os chamados “arrombados”, que ocasionam uma “desapropriação natural de terras”, já que os locais antes utilizados como pasto e para agricultura ficam submersos.
Para “recuperar” as áreas “tomadas” pelo rio, fazendeiros da região fecham a boca das bacias e utilizam dragas para a retirada de sedimentos. Se por um lado os proprietários não querem perder suas terras para as águas do Taquari, por outro há pescadores que afirmam que a prática de fechamento de arrombados causa prejuízos à atividade pesqueira, ocasionando mortandade de peixes e influenciando negativamente o ciclo de reprodução animal.
Para o Ministério Público, “pecuaristas, pequenos produtores, ribeirinhos e pescadores profissionais têm sofrido solitária e injustamente um inadmissível processo de degradação de suas formas de viver. Por outro lado, toda a sociedade brasileira vê um de seus bens mais valiosos ser dilapidado por omissão do Poder Público”.