MPF quer bloqueio de R$ 867 mil de envolvidos com aterro sanitário da Capital

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O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul (MPF/MS) recorreu ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) contra decisão da Justiça Federal de Campo Grande que negou pedido de bloqueio de bens de 9 envolvidos nas obras do Aterro Sanitário Dom Antônio Barbosa, em Campo Grande. Para o MPF, houve direcionamento e fraude na licitação para a construção do aterro, superfaturamento, pagamento indevido na execução da obra e autorização ilegal de uso do aterro.

A Justiça de 1ª instância negou liminar para bloqueio de bens dos envolvidos, medida que visa garantir a devolução dos valores desviados, que chegam a R$ 867.670,87. Os argumentos são de que não há indícios que comprovem as irregularidades, que pode ter havido oscilação de preços por particularidades da obra e que o valor desviado é de “pequena monta”. Para o MPF, não se trata de projeção de perdas mas de efetivo prejuízo aos cofres públicos, comprovado por levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU) e Polícia Federal (PF).

Além do bloqueio, o MPF quer a condenação dos envolvidos ao ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente.

Foram acusados de envolvimento nas irregularidades o ex-prefeito de Campo Grande Nelson Trad Filho, os servidores públicos Taner Lobo Casal Batista, Bertholdo Figueiró Filho e Aroldo Ferreira Galvão, o empresário Antonio Fernando de Araújo Garcia, os engenheiros João Antonio de Marco e Rogério Shinohara, a empresa Anfer Construções e Sérgio Romero Bezerra Sampaio.

Entenda o caso

A implantação do aterro sanitário de Campo Grande começou com a assinatura do Convênio nº 2.376/05, entre a Prefeitura Municipal de Campo Grande e a Fundação Nacional de Saúde, firmado em 15/12/2005, no valor de R$ 3,15 milhões, e do Contrato de Repasse nº 73.661-30/2005 entre o Ministério das Cidades e a prefeitura, no valor de R$ 1.304.932,90.

A prefeitura realizou duas licitações, a Concorrência nº 26/2006, para contratar empresa para a execução das obras do aterro e o Convite nº 719-A/2007, para projeto e execução de políticas sociais compensatórias. Nove empresas se apresentaram. Uma delas, a Norenge Engenharia, foi considerada inapta e não pôde disputar a concorrência. Posteriormente, foi desclassificada a empresa Hélio Corrêa Construções e Terraplenagem, que tinha a melhor proposta de preço.

Com isso, foi classificada em primeiro lugar a empresa Anfer Construções e Comércio, pelo preço de R$ 3.290.168,58. A Anfer também foi a escolhida para o convite nº 719-A/2007, para realização dos trabalhos sociais. A obra teve início em 2006, ficou paralisada de 01/11/2008 a 01/05/2012, e segue sem conclusão.

A investigação do MPF, baseada em relatórios da CGU, PF e Funasa identificou diversas irregularidades já no edital da licitação, com a inclusão de cláusulas restritivas à livre participação de empresas interessadas.

Exigência de realização de vistoria e apresentação de atestado de visita técnica pelo responsável técnico da empresa, emitida pela Secretaria Municipal de Serviços e Obras Públicas, como condição habilitatória. A imposição da visita técnica frustra a competição pois onera a participação de interessados de outras regiões.

Exigência indevida de recolhimento de caução de garantia no prazo de 5 (cinco) dias antes da abertura da licitação.
Alto custo para fornecimento do edital. A Prefeitura de Campo Grande incluiu cláusula exigindo o pagamento de taxa para fornecer cópia do edital da Concorrência nº 026/2006 no valor de R$ 1.000,00.

Exigência de itens sem maior relevância ou valor significativo para comprovação da capacidade técnico-profissional. A prefeitura deixou de exigir atestados de responsabilidade técnica relativos à impermeabilização do aterro de base e ombreiras, cujo valor representa 28,94% do valor total das obras e, por outro lado, exigiu atestados de responsabilidade técnica em obras de drenagem e saneamento, sem que houvesse no processo qualquer justificativa.

Exigência restritiva de relação nominal de equipe técnica antes da celebração do contrato, ocasionando a inabilitação indevida de licitante.

As exigências ilegais resultaram na desclassificação da empresa Norenge Engenharia, quando do julgamento da documentação de habilitação, embora tenha apresentado todos os documentos exigidos. Na fase de abertura de propostas de preços, a empresa Hélio Corrêa, embora tenha sido anteriormente habilitada, foi ilegalmente desclassificada da licitação, apesar de ter apresentado a melhor proposta de preço.

Um peso, duas medidas

A Comissão de Licitação desclassificou a empresa Hélio Corrêa sob o argumento de falta de indicação de profissional habilitado. No entanto, a Anfer, que também não indicou os profissionais, não só não foi desabilitada como ganhou a concorrência. Somente esta manobra gerou prejuízo de R$ 193.268,93. Para a CGU, “isso sinaliza ocorrência de manipulação processual por parte da Comissão de Licitação, e favorecimento à empresa Anfer” e o envolvimento direto do então prefeito Nelson Trad Filho e o presidente da Comissão, Bertholdo Figueiró Filho.

Na fase de execução das obras, a Anfer incluiu, irregularmente, no cálculo dos Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) itens como administração local, tributos, controle tecnológico, serviço topográfico e CPMF, causando um prejuízo de, pelo menos, R$ 295.386,78. A CGU também apurou que houve superfaturamento de itens pagos à Anfer, em comparação ao preço de mercado na construção civil, de R$ 114.474,23.

O pagamento irregular foi aprovado pelos fiscais da prefeitura, Taner Lobo Casal Batista e João Antonio de Marco, e pelo fiscal indicado pela Caixa Econômica Federal, Rogério Shinohara. A fraude foi camuflada ainda pelos representantes da Anfer Antonio Fernando de Araújo Garcia e Sérgio Romero Bezerra Sampaio. O fiscal da Funasa, Aroldo Ferreira Galvão, também autorizou pagamentos indevidos.

0,5 mm de diferença

Outra irregularidade grave foi a utilização de materiais inferiores ao especificado no contrato. Perícia da PF apurou que a área total do aterro impermeabilizado com manta plástica foi de 63.915m², sendo que em 18.486,44m² foi aplicada manta de 1 milímetro de espessura, enquanto o contrato previa manta de 1,5 mm. Funasa e Prefeitura de Campo Grande aprovaram a irregularidade, causando prejuízo, segundo a CGU, de R$264.540,95.

Até a liberação de uso do aterro foi irregular. Em outubro e novembro de 2012, fiscalizações da CGU, CEF e Funasa constataram que as obras previstas estavam 96,4% completas. Faltavam a construção da Usina de Triagem de Resíduos, para separação de materiais recicláveis, e a obra da lagoa de chorume (líquido que sai do lixo acumulado) e linha de bombeamento para estação de tratamento. O laudo da Funasa concluiu que o aterro não poderia operar. Mesmo assim, a Prefeitura de Campo Grande expediu a Licença de Operação nº 03.296/2012 em 20/11/2012 e anunciou o início do funcionamento do aterro para o dia seguinte (21).

Prefeitura paga duas vezes pela mesma obra

Como as obras estavam inacabadas, a prefeitura abriu nova licitação para concluir a construção do aterro sanitário (Edital nº 066/2012). A empresa vencedora foi a CG Solurb Soluções Ambientais, Um consórcio formado pelas empresas Financial e LD Construções, cujos sócios são os mesmos proprietários da Anfer. “Dessa forma, paga-se pela mesma obra duas vezes, e ao mesmo pródigo destinatário”, conclui a acusação do MPF. A Solurb também foi a escolhida para o serviço de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos de Campo Grande.

Para o MPF, há um claro vínculo entre a Anfer/Solurb e o então prefeito de Campo Grande, constatado pela doação da empresa à campanha de reeleição do prefeito, no valor de R$ 50.000, realizada eletronicamente em 19/09/2008. “O prefeito Nelson Trad Filho autorizou o início das operações do aterro, preferindo os louros do reconhecimento como inaugurador da obra ao bom senso e à responsabilidade pelo bem-estar da população e dos trabalhadores do aterro e pela proteção ao meio ambiente. Em outras palavras, atuou de forma a satisfazer interesses próprios, em inaceitável detrimento do interesse público”.

Mesmo tendo realizado nova concorrência para finalização das obras, o aterro continuou inacabado pelo menos até 29/08/2013, quando a CGU realizou nova vistoria e constatou que “o aterro ainda não apresentava as condições ideais para uma operação segura e adequada”.

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