O tenente-coronel do Exército Mauro César Cid — delator da trama para dar um golpe de Estado depois das eleições de 2022 — e o ex-ministro Walter Braga Netto ficarão frente a frente, hoje, no Supremo Tribunal Federal (STF), para esclarecer pontos levantados pela defesa do general da reserva no interrogatório do processo. Os dois são réus na ação que apura a participação do chamado “núcleo crucial” da organização que articulou uma ruptura democrática, a fim de manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder. A acareação será presidida pelo ministro relator da ação, Alexandre de Moraes.
O magistrado atendeu o pedido da defesa de Braga Netto. Os advogados do general da reserva contestam as afirmações feitas por Mauro Cid e alegam que o delator não apresentou provas das acusações feitas. Ao autorizar, Moraes ressaltou que, por serem réus, o general e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro não têm o compromisso de dizer a verdade na acareação pelo preceito constitucional, ambos têm o direito de não produzir provas contra si mesmos.
Segundo Mauro Cid, o ex-presidente estava imbuído da missão de encontrar fraudes nas urnas eletrônicas para provocar o caos social e convencer os comandantes das Forças Armadas a aderirem a um plano para desconhecer o resultado das eleições de 2022 — em que sua chapa com Braga Netto foi derrotada. Por isso, pressionava o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, a elaborar um relatório indicando fraude na votação.
O general foi o último do núcleo 1 da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) a ser interrogado. O ex-ministro de Bolsonaro participou por meio de videoconferência, pois está preso por suspeita de tentar atrapalhar as investigações. Braga Netto rechaçou a delação de Mauro Cid e negou ter transportado dinheiro em sacolas de vinho para financiar o plano golpista.
“O Cid veio atrás de mim perguntando se o PL poderia arrumar o dinheiro. Era muito comum o presidente Jair Bolsonaro, ou o Valdemar Costa Neto, presidente do PL, ou outro, pedirem para pagar contas de campanha atrasadas. Eu virei para ele e disse: ‘Procure o tesoureiro’. Eu não tinha contato com empresários. Então, não dei dinheiro para o Cid”, afirmou o general.
A acareação se concentra na afirmação, feita pelo tenente-coronel, de que uma sacola com dinheiro para financiar as ações do plano “Punhal Verde e Amarelo”, foi passada por Braga Netto aos integrantes da linha de frente do plano golpista. A operação previa o monitoramento e assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio ministro Moraes. Segundo relato de Mauro Cid, em audiência no STF, em novembro, Braga Netto teria repassado dinheiro diretamente ao major Rafael de Oliveira. As cédulas, que estavam em uma sacola para transportar garrafas de vinho, serviria para as despesas necessárias à execução do plano golpista.
O delator disse, também, que na reunião na casa do general, os militares presentes expressaram insatisfação com os resultados das eleições e com a maneira como as Forças Armadas estavam tratando o episódio. O ex-ministro teria, então, pedido que Mauro Cid se retirasse da reunião, pois, a partir daquele momento, seriam discutidas “medidas operacionais”, das quais ele, pela proximidade com Bolsonaro, não poderia participar. Braga Netto nega a acusação.
A defesa de Bolsonaro pediu autorização para acompanhar a acareação e, por conta disso, Moraes autorizou que todas as defesas acompanhem a acareação, caso queiram. O acesso à Corte será liberado somente aos advogados dos réus e não haverá transmissão pela tevê ou pela internet. Mauro Cid foi o primeiro interrogado do núcleo 1 da tentativa de golpe. O tenente-coronel afirmou que não participou da tentativa de golpe, mas que presenciou “grande parte” da elaboração do plano por estar sempre próximo a Bolsonaro.
Também hoje, mas depois de o general e Mauro Cid ficarem frente a frente, haverá a acareação entre o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, e o general Freire Gomes, ex-comandante do Exército. O primeiro faz parte do núcleo crucial apontado pela PGR e o segundo é testemunha da ação penal.
O confronto de versões foi solicitado pelas defesas de Torres e de Braga Netto, logo depois do interrogatório dos réus, nas sessões de 9 e 10 de junho. Os advogados do ex-ministro da Justiça afirmaram que a medida era necessária, pois pontos apresentados por Freire Gomes e por Torres “divergem frontalmente”.