O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a liminar do presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, que autorizava enfermeiros e técnicos de enfermagem a participarem de abortos legais, inclusive nos casos realizados com medicamentos e nas fases iniciais da gestação.
A divergência foi aberta pelo ministro Gilmar Mendes, primeiro a votar contra a decisão provisória. Ele argumentou que “não há nenhum fato novo que justifique a atuação monocrática” de Barroso e destacou que a concessão de uma medida cautelar exige o cumprimento de requisitos legais claros. “A ausência de quaisquer deles obsta a concessão de provimento cautelar”, afirmou.
O voto de Mendes foi seguido por Cristiano Zanin, Flávio Dino, Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, formando maioria no plenário virtual. O julgamento segue até a próxima sexta-feira, prazo para manifestação dos demais ministros. Barroso, relator do caso, argumentou que restringir o aborto legal apenas a médicos cria um “vazio assistencial”, especialmente para meninas e mulheres vítimas de violência sexual. Segundo ele, permitir que profissionais de enfermagem atuem em procedimentos iniciais e medicamentosos ampliaria o acesso ao atendimento e reduziria violações de direitos fundamentais.
Descriminalização
A decisão sobre a liminar coincidiu com outro momento marcante no Supremo. Na véspera de sua aposentadoria, o ministro Luís Roberto Barroso votou a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, em ação apresentada pelo Psol em 2017. A ação ficou mais de dois anos parada em seu gabinete, após pedido de vista.
Em seu voto, Barroso argumentou que “ninguém é a favor do aborto em si” e defendeu que o tema deve ser tratado como questão de saúde pública. “A discussão real não está em ser contra ou a favor do aborto. É definir se a mulher que passa por esse infortúnio deve ser presa”, escreveu.
O ministro também afirmou que a maternidade deve ser uma escolha, não uma imposição. “Impor a continuidade da gravidez, a despeito das particularidades que identificam a realidade experimentada pela gestante, representa uma forma de violência institucional contra a integridade física, psíquica e moral da mulher.”
O voto se somou ao da ex-ministra Rosa Weber, totalizando dois votos favoráveis à descriminalização do aborto. Após a manifestação de Barroso que teve seu último dia como ministro neste sábado, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque, suspendendo o julgamento por tempo indeterminado, que poderá ser retomado apenas em plenário físico.
Críticas
A condução do julgamento provocou forte reação de entidades religiosas e parlamentares. A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), em conjunto com a Frente Parlamentar Evangélica e a Frente Parlamentar Mista Contra o Aborto e em Defesa da Vida, criticou a postura de Barroso no caso.
“O recurso a sessões virtuais extraordinárias e o descumprimento regimental são práticas inaceitáveis em matéria de tamanha gravidade. Tais manobras suprimem o debate democrático, esvaziam a participação social e ferem a transparência”, afirmou a Anajure.
As entidades também consideraram “infundada” a justificativa de urgência usada pelo ministro, destacando que o processo permaneceu em seu gabinete por mais de dois anos. “A súbita urgência, manifestada horas antes de sua aposentadoria, revela uma tentativa de pautar o tema por conveniência pessoal”, diz a nota.
O aborto é permitido no Brasil em apenas três situações: risco de vida para a gestante, gravidez resultante de estupro e casos de anencefalia. Mesmo assim, o acesso ao procedimento é limitado — apenas 166 hospitais no país estão habilitados a realizá-lo. Dados apresentados no processo mostram que cerca de 16 mil meninas entre 10 e 14 anos se tornam mães a cada ano, revelando a dimensão social e de saúde pública do tema.
Correio Braziliense