Celac: Lula propõe diálogo para conter tensão entre EUA e Venezuela

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Correio Braziliense

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarca, neste domingo, para a Colômbia, onde participa da Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União Europeia, em Santa Marta. A participação foi confirmada de última hora, em meio à escalada na tensão entre Estados Unidos e Venezuela, com probabilidade, cada vez maior, de uma ação militar. Ao comentar o assunto, antes de confirmar sua participação na Celac, Lula disse querer evitar uma “invasão terrestre”, e que vai se colocar à disposição para intermediar o conflito. Afirmou, inclusive, que a cúpula “só faz sentido” se o cenário for discutido.

Há, porém, preocupação no governo de que essa iniciativa de Lula impacte as negociações do Brasil com os Estados Unidos sobre o tarifaço imposto ao Brasil. Na terça-feira, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, estará no Canadá para uma reunião com o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, a respeito da sobretaxa a produtos brasileiros.

Durante a semana, em Belém, o chanceler Mauro Vieira comentou que a viagem de Lula visa prestar “solidariedade regional” à Venezuela. Há dúvidas, porém, se a reunião poderá trazer resultados concretos, como uma declaração conjunta dos países contra a interferência americana, devido ao esvaziamento da reunião e à divergência entre os membros.

Segundo o governo de Gustavo Petro, da Colômbia, 12 chefes de Estado confirmaram presença na Cúpula até o momento. No entanto, juntos, Celac e União Europeia têm 60 países. O esvaziamento é atribuído a divergências entre os países e à cautela na relação com o governo Trump. Alguns membros da Celac apoiam abertamente a ação americana — supostamente para combater o narcotráfico no Mar do Caribe —, como Argentina, Honduras e Trinidad e Tobago.

Outros países, embora condenem a intervenção estrangeira na região, adotam tom cauteloso, casos do México e do próprio Brasil. O líder mais vocal contra a ação tem sido Petro, que virou alvo de sanções econômicas de Trump e foi acusado pelo republicano de ligação com o tráfico internacional.

Em discurso na Cúpula da COP30, na quinta-feira, Petro disparou contra o americano e comparou os ataques a barcos venezuelanos com as ações de Israel na Palestina, apoiadas pelos EUA. “Os mesmos mísseis que atingem crianças em Gaza agora atingem jovens pobres no Caribe”, declarou.

O encontro vai produzir dois documentos de consenso, a Declaração de Santa Marta e um Mapa do Caminho para atingir objetivos registrados na declaração, e dois documentos de livre adesão sobre segurança cidadã e políticas de cuidados.

“Como aparecerá na declaração, é difícil dizer, mas é óbvio que o tema será discutido de alguma maneira, porque é um tema da região, e um tema grave”, disse a jornalistas a secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, embaixadora Gisela Padovan. Sobre a possibilidade de o Brasil intermediar uma conversa entre os governos de Donald Trump e Nicolás Maduro, a diplomata reforçou que o país sempre está disposto, inclusive, para intermediar negociações entre Maduro e sua oposição, mas que só pode fazê-lo se houver uma solicitação dos países envolvidos.

“O Brasil já teve um papel de interlocutor em duas ocasiões, pelo menos, mais evidentes. Do grupo de amigos de 2003, quando logrou montar esse grupo, inclusive com a participação americana, e solucionar a questão então do presidente Chávez por meio do referendo. E, também, quando discutiu a questão de Essequibo que, felizmente, saiu do radar”, afirmou.

A tensão na costa da Venezuela escalou após a decisão de Trump de enviar navios de guerra à região em setembro, sob o pretexto de combater o tráfico de drogas para o território americano. Até o momento, as forças atacaram 16 barcos supostamente tripulados por narcotraficantes, deixando 64 mortos. O gesto, porém, é interpretado como preparação para uma possível invasão ao território venezuelano, em tentativa para derrubar Maduro.

O ditador venezuelano acusa Trump de planejar a tomada de campos de petróleo no país. O governo americano também admitiu que estuda operações militares no país latino-americano, autorizando a CIA, por exemplo, a agir. A grande preocupação do Brasil e de outros países da região é com a possível eclosão de um conflito armado, envolvendo, inclusive, outras potências. Em comunicado, a chancelaria da Rússia declarou “solidariedade inabalável” com a Venezuela, e disse estar pronta para ajudar o aliado, Maduro, inclusive com o envio de mísseis.

Preocupante

Na avaliação do professor do Instituto de Relações Internacionais (Irel) da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Jorge Ramalho da Rocha, o cenário atual envolvendo a Venezuela é “muito preocupante”, com chances reais de um conflito militar. Isso justifica a movimentação do Brasil e outros países da região em criticar a ação americana.

“As consequências podem ser modestas, se o conflito for limitado no tempo e no espaço, ou desastrosas e muito prolongadas no tempo, caso os EUA pretendam promover a mudança de regime ou uma ocupação territorial. Por enquanto, as sinalizações do governo Trump são de que ele pretende amedrontar o governo venezuelano, induzindo mudanças apenas com a ameaça do uso da força e ações cirúrgicas (ilegais, vale dizer) contra supostos traficantes de drogas. Isso não funcionará, contudo, nem com a Venezuela nem com a Colômbia”, enfatizou o professor.

Ele não espera, contudo, que haja abertura de nenhum dos lados para uma mediação brasileira. “Trump pretende negociar com Maduro melhores condições para explorar petróleo na Venezuela e no Essequibo, mas poderá ceder às pressões de seus apoiadores que querem mudar o regime na Venezuela. Há certa lógica nisso, em contraste com a agressiva relação com Petro, de quem os EUA dependem para combater o narcotráfico dirigido à sua sociedade”, disse.

Para o analista de política internacional da Consultoria BMJ Vito Villar, há um esvaziamento dos fóruns regionais, como a Celac e a Cúpula das Américas — cuja reunião, prevista para dezembro, foi adiada para 2026. “Vale destacar que os EUA vêm expandindo sua presença na região, forçando países menores, principalmente do Caribe, a abdicar de relações econômicas com outros parceiros, como a China, para priorizar os EUA”, disse ao Correio.

Sobre uma possível mediação do conflito pelo Brasil, Vito aponta que o governo enfrentaria dificuldades. “O Brasil tentou uma aproximação pragmática com a Venezuela entre 2023 e 2024, especialmente ao ser o negociador para manter a paz no Essequibo e garantir eleições na Venezuela. Entretanto, esse momento ruiu”, afirma. “Lula teria de agir sob a prerrogativa de liderança regional para construir novas pontes. Mas o cenário é temerário, uma vez que a relação com os EUA também não está no nível positivo que já esteve.”