Lula antecipa campanha à reeleição, Tarcísio vai à marcha evangélica

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Correio Braziliense

Em entrevista ao podcast Mano a Mano, conduzido pelo rapper Mano Brown e pela jornalista Semayat Oliveira, gravada no último domingo (15) e publicada na madrugada desta quinta-feira (19), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a defender o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) proposto pelo Ministério da Fazenda. A medida aumenta a carga tributária para setores beneficiados por isenções fiscais, para garantir equilíbrio fiscal e assegurar investimentos em áreas sociais.

Lula foi entrevistado antes da acachapante derrota do governo na Câmara, que aprovou um pedido de urgência para derrubar o aumento do IOF por 346 a 97 votos, na segunda-feira (16). Os “aliados” do Centrão votaram em massa contra o governo, que ficou confinado ao campo minoritário da esquerda. Lula argumenta que a elevação do imposto é necessária para evitar cortes no orçamento da saúde, da educação e de obras públicas.

Apesar das adversidades, Lula parece disposto a travar uma disputa política com o Congresso em torno da tributação das operações financeiras, para garantir as políticas de transferência de renda do governo. “Toda vez que a gente vai ultrapassar o arcabouço fiscal, a gente tem que cortar no Orçamento. Então, se eu tiver que cortar R$ 40 bilhões em obras, saúde e educação, o IOF é para fazer essa compensação. Essa briga nós temos que fazer, não dá para a gente ceder toda hora”, disse o presidente.

A derrota não mudou a opinião de Lula, que adotou uma narrativa claramente eleitoral. Segundo ele, a proposta busca fazer justiça fiscal, atingindo setores altamente lucrativos que hoje pagam pouco imposto, como as plataformas de apostas on-line e as fintechs. O problema é que isso virou um cabo de guerra. O governo já editou três decretos sobre o IOF, todos muito rejeitados pelo Congresso. O último decreto, na quarta-feira, reduziu a expectativa de arrecadação de R$ 19,1 bilhões para R$ 6 bilhões ou R$ 7 bilhões.

“As bets pagam 12%, nós queremos que paguem 18%. Eles ganham bilhões e bilhões. Não querem pagar. As fintechs, hoje, são quase que uns bancos, não querem pagar”, concluiu. Lula assumiu mais uma vez seu desejo de disputar a reeleição, se estiver bem de saúde. Sua narrativa é mais voltada para sua base eleitoral do que aos seus aliados do Centrão, que estão contra o aumento.

De certa forma, na entrevista do Mano a Mano, apresentou uma agenda de campanha: isenção de Imposto de Renda a quem ganha até R$ 5 mil; programas para reforma de casas de pessoas de baixa renda; financiamento da compra de moto elétrica para entregador por aplicativo; regulamentação das redes sociais e combate à disseminação de conteúdos falsos; e as polêmicas pesquisas de petróleo na Margem Equatorial da costa da Amazônia. Mas reconheceu que as pessoas não têm a sensação de que as coisas estão melhorando e se queixou da “imbecilidade” da extrema-direita no Congresso.

A alternativa paulista

O problema é que Lula precisa recorrer às cerimônias oficiais, entrevistas e conversas com influenciadores, como no programa Mano a Mano, para falar com seus eleitores. Disputará uma eleição na qual a oposição já está à vontade nas ruas. Nesta quinta-feira, por exemplo, a estrela da Marcha para Jesus de 2025 na Avenida Tiradentes, na capital paulista, foi Tarcísio de Freitas (Republicanos), o governador de São Paulo, ao lado do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e dos presidentes do PSD, Gilberto Kassab, e do PL, Valdemar Costa Neto. Não havia o menor espaço para Lula participar da marcha sem levar uma vaia bruta.

Enrolado numa bandeira de Israel, Tarcísio focou seu discurso em temas religiosos e falou em “reconciliação”. Disse que o país precisa se livrar da “idolatria e corrupção”. Para bom entendedor, colocou-se como um político acima da polarização entre Lula e Bolsonaro. Embora não assuma a candidatura, isso é música para a elite econômica do país e os partidos de centro-direita, que torcem por isso.

Quem tem a chave da candidatura de Tarcísio chama-se Jair Bolsonaro. Sem apoio do ex-presidente da República, que está inelegível, não tem como ter os votos da extrema-direita, seria apenas mais um candidato paulista a ser derrotado. A propósito, houve uma mudança estrutural na política de São Paulo após as eleições de 2022. Lula venceu na capital e foi derrotado por Bolsonaro no interior, mas emergiu um adversário novo no Palácio dos Bandeirantes, que traduziu a força da extrema-direita.

O PSDB, que protagonizou o moderno na política brasileira junto com o PT, hegemônico em São Paulo desde 1994, foi desbancado pelo bolsonarismo. PSDB e PT se propunham a modernizar o país e superar o patrimonialismo. Os tucanos, a partir de um núcleo de intelectuais, empresários e políticos, pela via da reforma do Estado, do equilíbrio fiscal e da integração à economia mundial; os petistas, que reuniram intelectuais, sindicalistas e militantes de esquerda, numa perspectiva nacional desenvolvimentista, de redistribuição de renda e ampliação da democracia.

Ambos foram abduzidos pelo transformismo político. O PT nunca seduziu o interior paulista, o PSDB foi volatilizado. A alternativa que emerge em São Paulo é uma nova modernização conservadora e “iliberal”, alinhada a Donald Trump e à extrema-direita mundial.

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